Semana passada escrevi aqui sobre a influência que os psicopatas exercem sobre a sociedade quando estes ocupam posições de comando no alto escalão da política. Este fenômeno foi observado pelo psiquiatra polonês Andrzej Łobaczewski (1921-2007) durante o regime comunista na Polônia dando origem a uma nova linha de estudos da gênese do mau: a ponerologia.
Segundo Łobaczewski a depressão do nível de consciência moral de uma sociedade leva à histeria coletiva. Quando isso acontece instala-se no tecido macrossocial as condições necessárias para a manifestação do mau em larga escala. A este fenômeno, dá-se o nome de patocracia.
O artigo intitulado “Patocracia” já trazia uma série de evidências de uma sociedade doente que, senão patocrática, ao menos está muito próxima disso. Dentre os exemplos elencados um deles reaparece essa semana dando ainda mais força a tese de um país sob a influência maléfica de psicopatas. O caso em questão é o suposto racismo entre o goleiro do Santos, Aranha, e a torcedora gremista, Patrícia Moreira.
Se no artigo anterior eu já afirmava que não se tratava de um caso de racismo, mas de provocação entre torcidas e da grosseria que são típicas do mundo do futebol, agora o próprio Aranha, em entrevista para a Folha de São Paulo, deu declarações que reafirmam que ele mesmo é uma vítima do estado de histeria coletiva (quando repele-se a verdade com medo de pensar sobre coisas desagradáveis, para não estragar a festa de contentamento presente).
Reproduzo a seguir trechos da entrevista com os meus comentários logo na sequência:
“Já tinha sido chamado de macaco muitas vezes em jogos, mas nunca reagi daquela maneira como fiz contra o Grêmio. A gente releva as coisas porque é cobrado para ser profissional. E ser profissional é ouvir, fazer o seu trabalho e ir embora. Muitas vezes a gente deixa passar batido, não dá importância para as ofensas raciais.”
Não era a primeira vez que era xingado. Como atleta profissional Aranha sabe que toda torcida usa da provocação para desestruturar os adversários algo completamente diferente de ser xingado na rua, fora do contexto específico de uma partida de futebol.
“No jogo contra o Grêmio, eu estava muito tranquilo. Tudo mudou no momento em que fui até o árbitro. Eu relatei que estavam me chamando de macaco. Ele respondeu que eu estava provocando a torcida do Grêmio. Quando fiquei de frente para os torcedores novamente, eles comemoraram. Se sentiram livres para poder continuar. E, por isso, eu fiquei irado, com raiva. O sentimento foi de ódio mesmo.”
Antes mesmo de falar com o juiz ele admite que estava calmo e que a irritação decorre do fato do árbitro não punir o adversário. Logo, o fator que desestruturou o atleta não foi o comportamento típico da torcida, mas a expectativa de um senso de justiça não atendido.
“Eu vi lá que tinham negros me xingando e concordando.”
Admite que inclusive negros o xingavam o que já depõe contra a tese de ofensa unicamente baseada em raça. Nunca é demais relembrar, o racismo é uma rejeição fundamentada na raça. Aranha não foi rejeitado porque é negro, mas porque era o goleiro visitante da vez. Se fosse o Rogério Ceni poderiam xingá-lo de bicha.
“Comecei a entender, a ter conhecimento das coisas por meio do RAP.”
Confessa que antes de ouvir RAP não percebia a questão como racismo. Bastou alguém insistir na existência de conflitos (que nem mesmo ele percebia) para o racismo se manifestar.
“Eu não digo que o Brasil seja um país racista, mas é um país que carrega um vício antigo. Foi o último a abolir a escravidão, então talvez a gente demore mais para se desvencilhar de tudo o que aconteceu. Está diminuindo, mas continua. A gente precisa se manifestar contra o racismo para a pessoa saber que, se ela falar, será punida.”
Apesar de tudo o que aconteceu reconhece que o Brasil não é um país racista. Se o país não é racista então por quê insistir em uma divisão artificial da sociedade? Se essa declaração parece contraditória espere para ouvir a próxima.
“Ouvi que o Grêmio é racista. Não tem isso! Quando eu estava na Ponte Preta, ouvia muito que era o clube dos negros e o Guarani, dos brancos. Mas isso veio porque antes nenhum tinha negros. Os clubes eram só para brancos. Depois, os negros foram entrando. Alguns aceitaram antes que os outros, mas todos começaram só com brancos. É uma coisa só de quem começou primeiro. Desde que aconteceu o caso, houve uma pressão da mídia para que eu perdoasse a Patrícia [Moreira, torcedora gremista flagrada proferindo insultos racistas para o goleiro]. Acho que não tinha nada a ver me encontrar com ela. Como se o meu perdão fosse salvá-la. Não! Ela sabe o que é certo e errado. Ela disse besteiras nas três vezes em que falou. Ela errou, mas já disse que não é racista. Todo mundo sabe que ela não é, mas teve uma atitude que pode influenciar muita gente. Por isso vai ser punida. O meu perdão a Patrícia teve desde aquele dia. Mas ela deixou a coisa crescer. Em vez de melhorar, de pedir desculpas, de falar que errou, ela tornou a situação pior ao não se manifestar. Falou depois orientada por advogado. Não sabia o que falar.”
Aranha isenta o Grêmio de ser racista, mas coloca-se em situação de superioridade ao não querer sequer encontrar a gremista e diz que ela deve pagar pelo seu erro. Como pode a torcida ser imaculada quando todos em coro fizeram o mesmo que Patrícia Moreira? Mais ainda, Aranha admite que a Patrícia não é racista e que isso é sabido por todos, mas defende sua punição porque suas atitudes poderiam induzir terceiros ao racismo.
Quanto à última alegação de Aranha observa-se o mesmo expediente utilizado contra Rachel Sheherazade quando esta última disse que “é compreensível que o cidadão se defenda quando o Estado é omisso e a violência endêmica.” Sheherazade não incitou à violência, muito pelo contrário, analisou os fatos como uma consequência lógica da omissão do Estado frente a escalada da criminalidade. No entanto, seu “delito”, por assim dizer, foi julgar compreensível. Na ótica de Aranha xingar de macaco poderia induzir terceiros ao racismo. Ou seja, no código penal do politicamente correto o crime ocorre no futuro do pretérito.
Assim, não precisamos mais nos preocuparmos com o que efetivamente acontece, com o mundo observável, com a realidade objetiva dos fatos, isso não tem a mais mínima importância. Se no futuro existe uma remota possibilidade de o cidadão incorrer em um crime então este será desde logo punido com a mesma desproporção da mentalidade psicopática que julgou o mérito da questão.