A classe política é sensível à opinião pública. Com efeito, não veremos políticos profissionais arriscando-se a defender publicamente temas e/ou opiniões impopulares sob o risco de não se reelegerem na próxima eleição. Assim, é natural e até esperado que toda a ação política limite-se a uma janela de variações mais ou menos pautada pela opinião pública. A este recorte na escala do espectro político – variando entre maior ou menor grau de intervenção estatal nas relações sociais – e que corresponde ao consenso da opinião pública damos o nome de Janela de Overton.
Segundo a teoria de Joseph P. Overton as discussões na esfera política tendem a acompanhar a opinião pública por uma mera questão de sobrevivência partidária. No Brasil a balança do senso político pende para a direita, mas nem por isso os políticos se dobram à vontade da maioria. Isso porque após 21 anos de ditadura militar a esquerda dominou o cenário político de tal forma que não sobrou um só partido de direita que fizesse oposição ideológica de fato. Assim, se por um lado há um potencial latente depositado na massa de eleitorado sem ter quem a represente politicamente, por outro há representantes da população com bandeiras incompatíveis com o perfil do eleitor. Nestes termos o conflito da classe política com a opinião pública é inevitável.
Como a moral e os costumes conservadores não podem ser modificados em sua essência do dia para a noite a classe política acaba por atacar a opinião pública, forçando a Janela de Overton mover-se à esquerda. O assunto já foi tema de um artigo do jornalista Reinaldo Azevedo demonstrando como a opinião pública se desloca de um ponto para outro, ignorando o mérito da questão.
Esta percepção de margem de ação política é particularmente importante ao eleitor porque expõe o modus operandi de políticos profissionais. O caráter maquiavélico e manipulador está contido em pequenos atos, numa sutileza quase imperceptível ao observador não iniciado na Arte da Guerra Política.
Distorcer a concepção mesma de conceitos é a palavra chave aqui. Perverte-se o conceito em pauta na discussão pública para manobrar a sociedade de acordo com objetivos ocultos à primeira vista. E no jogo político são muitos os que se prestam a este papel sujo. Não por acaso este blog vem publicando uma série de artigos dedicados a denunciar a tentativa de acabar com a liberdade de expressão e limitar a atividade da imprensa. A lista completa dos artigos que tratam deste assunto está disponível ao fim deste artigo.
Talvez o exemplo que melhor traduz a tentativa de capitalizar sobre a opinião pública seja o pronunciamento presidencial que foi ao ar por ocasião das manifestações de 2013, um evento que ganhou projeção nacional e exigiu uma resposta do Palácio do Planalto ao que ficou conhecido como a “voz das ruas” e as “Jornadas de Junho”.
Vejamos como o malabarismo retórico se desenrola:
É desnecessário dizer que o povo foi às ruas para demonstrar a sua completa insatisfação com a ingerência do governo federal. No entanto, a opinião pública foi cooptada, tratada e manipulada de forma a catalisar toda a energia explosiva popular em dividendos políticos. O método para tanto consistia em:
- Reinterpretar os protestos contra o governo como “força da democracia e o desejo de fazer o Brasil avançar”.
- Justificar a ausência de uma agenda positiva opondo a ela “limitações de ordem políticas e econômicas”.
Em um só golpe o partido neutraliza a insatisfação popular e a recicla sob o signo de uma força motriz que pede um upgrade no padrão de qualidade nacional ao passo em que cola um rótulo de entrave burocrático em setores avessos à direção partidária. Que a corrupção generalizada e a completa incapacidade da gestão das contas públicas fosse responsabilidade exclusiva do atual governo era um mero detalhe que pôde ficar convenientemente de lado do debate público.
O Sr. Lula na ocasião também não deixou por menos e chegou a declarar em artigo assinado no New York Times que:
“As demonstrações de protesto são o resultado do sucesso social, econômico e político. […] É completamente natural que a juventude, especialmente aqueles que estão obtendo coisas que seus pais nunca tiveram, devam desejar ainda mais conquistas.”
Simplesmente não há palavras para descrever o cinismo deste canalha! Era absolutamente justo e compreensível que a população se revoltasse contra as obras da copa quando nenhum serviço público funciona adequadamente no Brasil. Que sucesso social, econômico e político é este, Sr. Lula?! Supor que toda uma população estivesse fingindo e que o único capaz de perceber o contrário fosse o ex-presidente seria inverter a ordem natural da percepção cognitiva e, por assim dizer, invalidar toda a noção da ciência psicológica. Não sendo o Sr. Luiz Inácio da Silva um louco resta-lhe o epíteto de desonesto intelectual.
Creio que neste ponto da argumentação a noção de deslocar o eixo do debate para mover a Janela de Overton para além dos limites da opinião pública já esteja claro o suficiente para os leitores. Deste modo podemos voltar nossa atenção para assuntos atuais: a insistência do PT e suas linhas auxiliares em censurar a mídia.
Durante as comemorações dos 35 anos do Partido dos Trabalhadores a presidente Dilma Rousseff declarou que:
“É preciso reagir aos boatos e travar a batalha da comunicação. Não podemos permitir que a falsa versão se firme. Nós temos que levar a nossa versão à opinião pública e dar exemplos.”
Ainda no mesmo evento o Sr. Rui Falcão, presidente nacional do partido declarou acerca do envolvimento de altos dirigentes do PT com o escândalo do Petrolão:
“Trata-se de uma tentativa de criminalização, uma coisa induzida, que vem sendo feita há muito tempo, com interesse de criminalizar o PT e os nossos dirigentes.”
Ou seja, para a mentalidade revolucionária apontar fatos que denotem corrupção sistêmica é uma tentativa ilegítima, segundo eles, de criminalizar o partido e, portanto, digna de iniciar uma batalha no campo da comunicação.
A coisa é tão psicótica que o PT chegou a editar uma cartilha de como se livrar de repórteres inoportunos! Adeus a transparência, pressuposto básico de toda civilização democrática. Em nome de uma agenda política o PT sugere que o acesso à informação seja cerceado para salvaguardar a imagem ética do partido.
Quando não se pode mais esconder a real face do partido é preciso mudar de estratégia e silenciar quem ouse apontar o óbvio: o PT é uma entidade criminosa forjada com o único propósito de pilhar o país.
Assim, é importante que em toda discussão pública o eleitor esteja atento ao mérito da questão. Que o mesmo seja dado ciência a todo cidadão: se o que está em debate não diz respeito ao assunto propriamente dito pode desconfiar de manipulação com fins políticos. Isto vale para o debate em torno da “Democratização dos Meios de Comunicação”. Por traz de um fundo republicano esconde-se uma ação nefasta de controle social. Para que a democracia prevaleça basta que ninguém interfira na atividade de imprensa, muito menos o governo.
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Nota:
Os artigos que expõem as formas sutis de barrar a atividade independente da imprensa sob máscaras de democráticas são:
- Suavizando a demanda de censura da mídia – publicado em 05/02/15;
- Conselho ao vereador Thiago Ferrari – publicado em 28/01/15;
- O relativismo moral PTista – publicado em 19/01/15;
- Sobre idéias e consequências – publicado em 04/12/14;
- Sensibilidade seletiva – publicado em 07/11/14;
- Violência como método revolucionário – publicado em 29/10/14.